Desde os tempos primitivos que o Homem recorre à utilização de peles de animais para proteger o corpo das condições climatéricas adversas e, em particular, os pés, sobretudo da agressividade do solo.
Uma das referências mais antigas pode ser encontrada na leitura do Velho Testamento:
E fez o SENHOR DEUS a Adão e à sua mulher túnicas de peles, e os vestiu. (Génesis 3:21)
Os povos primitivos cedo descobriram que as peles, sem qualquer tratamento, se deterioravam com o tempo, a humidade e o calor, apodrecendo e adquirindo um cheiro nauseabundo, que as tornavam praticamente inutilizáveis, por difíceis de suportar. Ao longo dos tempos foram efectuadas várias tentativas no sentido de travar esse fenómeno degenerativo natural, submetendo as peles a diversos tipos de tratamento, com as mais variadas substâncias.
Um dos processos utilizados pelos povos primitivos para travar esse processo degenerativo foi a exposição das peles ao fumo. As peles eram então também utilizadas como material de construção de tendas e de cabanas para habitação e o fumo das fogueiras secava e conservava as peles (era, na realidade, uma espécie de curtido). O método foi sobretudo usado por algumas tribos de índios americanos e por algumas populações da China, que ainda o utilizam actualmente.
Em túmulos núbios (5000–2000 anos AC) foram encontradas peças coloridas de vestuário, sandálias e sacos fabricados em couro.
Uma das referências mais antigas, que remonta a 800 anos AC, refere que na Suméria peles de boi eram tratadas com uma mistura de farinha de Nisaba (cálamo – espécie de junco duro), água, cerveja e vinho de boa qualidade.
Outro tipo de tratamento era efectuado com alúmen (sulfato duplo de alumínio e potássio), existente nas terras hititas e com bolotas (glandes dos carvalhos).
Outras substâncias foram entretanto utilizadas na curtimenta de peles, tais como urina, miolos e com uma misturas de óleo de peixe e de sebo (curtimenta com óleo), processo que viria a ser designado de chamoising (couros Chamois). Mais recentemente são utilizados óleos naturais sulfonados e mesmo lanolina sulfonada.
Já em pleno século XI, as técnicas de curtimenta de peles e couro utilizadas em Córdoba (Espanha), e que foram herdadas da sua ocupação árabe, difundiram-se pela Europa. Os processos eram basicamente três: o processo do óleo, o processo mineral ou do alúmen e o processo vegetal, à base de taninos.
No século XVIII, o processo de curtimenta com alúmen era usado em combinação com outras substâncias, tais como cloreto de sódio, farinha e gema de ovo. O método teve o seu sucesso na curtimenta de peles de pequena dimensão, utilizadas sobretudo no fabrico de luvas; actualmente este método é ainda utilizado na curtimenta de peles para esta aplicação.
Em 1760, um grupo de colonos imigrantes escoceses estabeleceu-se na cidade de Gloversville (cidade que pertence ao estado de Nova York), e criaram várias fábricas de luvas. Esta indústria desenvolveu-se e proliferou nos anos imediatos, tornando aquela cidade o maior centro industrial de produção de luvas nos Estados Unidos da América do Norte. Era sobretudo utilizado o processo de curtimenta mineral, à base de alúmen. Eram também utilizadas fórmulas de curtimenta dos índios americanos. As peles eram fornecidas por caçadores e fazendeiros.
O processo de curtimenta vegetal teve muito sucesso ao longo dos séculos e é ainda aplicado nos dias de hoje, embora em moldes completamente diferentes. Tudo terá começado pela imersão das peles em poças de água, contendo restos de madeira, cascas e folhas de árvores, materiais que continham, de facto, os agentes naturais que tinham a propriedade de curtir as peles (sabemos agora que são os taninos – polifenois que têm a propriedade de se ligarem e de precipitar as proteínas). Mais modernamente são utilizados extractos de origem vegetal, sendo os mais conhecidos o de “mimosa” (Acácia mearnsii), o de “castanheiro” (Castanea sativa Miller) e o de “quebracho” (Schinopsis balansae). Foi este o processo de curtimenta mais utilizado até ao século XIX.
Em 1861, o Professor Dr. Frederick Knapp, da Escola Politécnica de Braunschweig, na Alemanha efectuou um estudo profundo das curtimentas minerais, que incluíam o uso de sais de crómio, ferro e manganês, em combinação com ácidos gordos, os quais formavam sais de sabão insolúveis.
Em 1880, o químico americano Augustus Schultz desenvolveu o processo de curtimenta com sais de crómio (bicromatos), tendo patenteado o seu processo em 1884 (conhecido por processo de dois banhos).
Em 1893, o químico americano Martin Dennis patenteou um outro processo de curtimenta ao crómio (processo de um banho).
Pode afirmar-se que os métodos utilizados na curtimenta do couro e peles até ao século XIX tinham sido descobertos de forma mais ou menos acidental. Os estudos efectuados ao longo do século XIX permitiram compreender os fenómeno ocorridos na curtimenta de couro e peles, e aperfeiçoar os métodos mais correntemente utilizados (curtimenta com alúmen, curtimenta vegetal e curtimenta com sais de crómio), o que permitiu transformar o sector do couro numa indústria de características modernas.
Nos dias de hoje, uma grande parte da investigação e do desenvolvimento centram-se em aspectos de natureza ambiental, uma vez que os efluentes das fábricas de curtumes são altamente poluentes (nomeadamente os efluentes contendo crómio VI).
A evolução nos métodos de curtimenta de couro e peles e também nos equipamentos utilizados, permitiu obter vários tipos de couro e de pelarias que são utilizadas no fabrico de calçado e de outros artigos (vestuário, malas, sacos, cintos, carteiras, luvas, etc.).
Por este motivo, não constitui surpresa que o couro seja o material natural mais utilizado na produção destes artigos e em especial de calçado, devido às suas excelentes características. É um material poroso – permite a “respiração” do pé – é macio e possui uma excelente aptidão para se ajustar à forma do pé.
Os couros podem ser classificados de diversas formas, sendo as mais usuais:
Existem várias espécies animais cujas peles são utilizadas para o fabrico de couro, nomeadamente:
Os couros obtidos de bovinos dão origem a vários tipos de couro, fundamentalmente dependentes da idade do bovino (tamanho e tipo de peles), e assim temos as peles de vacas ou touros, de vitelos e de bezerros. O couro de bovinos encontra as suas principais aplicações na indústria do calçado (gáspeas e solas), na indústria automóvel (estofos e revestimentos), indústria de mobiliário (estofos de cadeiras e sofás), indústria de tapeçaria, indústria de vestuário e no fabrico de diversos artigos de couro (selas, malas, etc.).
Os couros obtidos de ovinos dão origem a vários tipos de couro, curtidos com pelo e sem pelo (lã). Como existe uma grande variedade de espécies de ovinos, do facto resulta uma grande variedade de tipos de peles. O couro de ovinos encontra as suas principais aplicações na indústria do calçado, indústria do vestuário, indústria de tapeçaria e no fabrico de diversos artigos de couro.
Os couros obtidos de caprinos dão origem a um tipo de couro com propriedades muito mais semelhantes ao couro dos bovinos, com uma alta densidade de fibras, muito resistentes. Por este facto, são muito utilizados no fabrico de luvas e de gáspeas para calçado.
Os couros obtidos de suínos dão origem a um tipo de couro com elevado teor em matérias gordas. Existem diversos tipos, que correspondem às diferentes espécies (pecari, javali e as várias espécies de porcos ibéricos, europeus e americanos). Diferencia-se das outras variedades de couro pela distribuição dos folículos onde se inserem as cerdas (veja-se Figura 7). São muito utilizados na indústria de tapeçaria, indústria de vestuário e na indústria do calçado (gáspeas e forros).

Os tipos de couro actualmente comercializados são classificados, quanto ao processo de curtimenta, nos seguintes grupos:
COUROS DE CURTIMENTA VEGETAL (CURTIMENTA COM TANINOS)
São couros flexíveis e de cor acastanhada. A cor varia com o tipo de banho de curtimenta utilizado e com a cor original da pele. Não são estáveis em contacto com a água, sofrendo descolorações; encolhem quando da secagem e apresentam-se então menos flexíveis e mais duros. Depois de imersos em água quente, apresentam um elevado encolhimento e depois de secos tornam-se muito rígidos e mesmo quebradiços.
COUROS DE CURTIMENTA AO CRÓMIO (SULFATO DE CRÓMIO OU OUTROS SAIS DE CRÓMIO)
São mais flexíveis e deformáveis que os couros de curtimenta vegetal. Não sofrem descolorações nem encolhem por imersão em água. São muito mais fáceis de ser coloridos.
COUROS DE CURTIMENTA MINERAL (COM ALÚMEN E ADITIVOS)
Este tipo de couro não é considerado um material “tecnicamente curtido”, pois apodrece por imersão em água. Este material permite obter tons de couro muito claros. Não é tão flexível como o couro de curtimenta vegetal e ainda menos, por comparação com o couro de curtimenta ao crómio.
COURO EM CRU
É obtido de peles finas, imersas em solução de cal. Após esta imersão é seco, mantendo-o bem esticado. Este material apresenta alguma rigidez; por este facto, é utilizado sobretudo no fabrico de tambores.
Os couros comercializados dividem-se em duas grandes categorias:
Quanto à sua forma de apresentação no mercado, são os seguintes os tipos de couro:
COURO LISO
Neste tipo de couros é usado o lado da “flor” (superfície exterior da pele). O seu aspecto é liso e permite um acabamento com aspecto mate, acetinado ou brilhante.
COURO NUBUCK E VELUDO
Os couros nubuck e veludo são couros lixados ou couros acamurçados. São tipos de couro com um aspecto superficial e um toque muito similar ao da camurça. Acções mecânicas muito leves (como o simples toque com os dedos) deixam marcas superficiais, que são facilmente removíveis por meio de uma escova.
COURO GRAXO E NUBUCK OLEADO
O couro graxo e o nubuck oleado são couros que possuem um alto teor de ceras e gorduras.
COURO DE MARROQUINARIA
O couro de marroquinaria apresenta-se com formas criativas, como camadas de verniz, fibras formando peluche, películas, pigmentos metálicos ou combinações com outros materiais.
NAPA E COURO ESCOVADO (COURO “BRUSH”)
Nos couros napa e escovado é usado o lado da flor (lado exterior da pele). Estes couros apresentam a superfície exterior da pele altamente brilhante, devido a um processo especial de escovagem. As napas são couros lisos muito macios, com grande poder de absorção de água, necessitando por este motivo ser tratados frequentemente com produtos especiais.
COURO VERNIZ (LACQUERED LEATHER)
Os couros verniz apresentam-se com um tratamento especial de verniz, que lhe confere um aspecto superficial mate, acetinado ou brilhante. Este tratamento deve conferir ainda uma boa resistência contra o atrito (em seco ou molhado) e a outras acções mecânicas. Podem apresentar-se lisos, estampados ou deformados e podem ser pigmentados por corantes inorgânicos, que são fixados por meio de caseína ou de resinas acrílicas. Devem ser tratados com aditivos especiais, para que mantenham alguma elasticidade.
O processo de curtimenta é dividido nas seguintes três fases principais:
RIBEIRA E CURTUME
É a preparação, por processos químicos e mecânicos da fase de curtimenta, a que se segue a fase de curtimenta propriamente dita. Quando é utilizado o processo de curtimento ao crómio, é obtido um produto de cor azulada, que é vulgarmente designado por wet blue.
RECURTUME
Conjunto de operações em que se efectua a regularização mecânica da espessura, a neutralização e recurtume, tingimento, engorduramento, secagem e amaciamento.
ACABAMENTO
É a preparação final do couro. É uma operação essencialmente mecânica, para conferir as características finais pretendidas de aspecto, elasticidade, toque e macieza, de acordo com o tipo de couro.
O couro pode ser utilizado na confecção de todos os componentes do calçado (Figura 8), nomeadamente em:

